- Boa noite, sonha comigo.
- Desculpe, mas eu reservo você pra realidade. Os sonhos são distantes e eu quero sentir o teu corpo junto ao meu.
Os sonhos terminam muitas vezes sem um fim, e na realidade, mesmo que não seja bom, o fim existe.
- Tens razão. Mas quando o sonho termina fica o desejo. Se me desejares ao menos, me sinto feliz.
- Te desejo de corpo e alma. Te sinto como se você existisse em mim. O começo de tudo está no desejo. Te desejei antes de te querer. E já te quero mesmo sem saber se te terei.
- Terás nem que seja em teus sonhos. Neles serei capaz de fazer tudo aquilo que desejas e sem comprometimentos.
- Sem comprometimentos, realidade e fim?
- Porque não?
- Prefiro não ter. Boa noite, sonhe comigo. Talvez em seus sonhos as coisas parecerão mais interessantes. Pra mim só é válido o palpável.
Vigésimo Cálice
ResponderExcluirArina, rainha dos astros e sóis
Que nos aquece e jamais esquece
Quem ama, se da tarde os atóis
Se inundam, eis que singela se oferece
E declama, como à luz de sua chama, nos tece.
E nos tem, sob protecção e tutela
Quando ao troar das trombetas liberta
O passado de seu túmulo e ao tempo acerta
Dando ao futuro o acumulo duma janela
Aberta, lente virtual que nos modela
Em alerta acenado A deus
Erguendo as mãos aos céus
Como Ela.
Dez dedos que são os nossos
Com outros dez que são os seus,
Depondo no alfabeto águas e ossos
Qual Xis a bailar ondeando véus
De gazes, de tules, de seda rosada
Estampados dédalos e labirintos
Cujas pétalas desenhadas camada
A camada, nos instruem os instintos
Nos sete sentidos da rosa desfolhada:
Olhar de pétala, lábios de veludo
Táctil cálice cuja sépala escuta
A concha do mar a degustar o escudo
No registo do Outro que tão-só executa
A empatia ao semear-nos pelo mundo.
E assim, água ardente vertida de oceano
Em oceano, sistema de líquido contínuo
Irriga-nos de sangue todo o ano
Por uma gota de momento exímio
E exíguo no equilíbrio suserano
De dois triângulos unidos pelo vértice
Da língua, enlaçadas margens do cálice
Na máxima míngua do estremecido ápice.
Comunhão do poder entre géneros
Acesos raios aquilinos do Sol universal
Onde o abraço resoluto das sementes e sócios
Gémeos nascidos da mesma luz na espiral
Em que os ócios merecidos são do labor igual
Além de mais igualmente da natureza – os números
Que põem e dispõem, ordenam o nível
Entre o lido e o por ler, o eterno e o perecível;
Entre o terreno e o espiritual, a matéria e o imortal